sábado, 27 de outubro de 2007

From a seed to a tree

Sempre percebi as relações, livros, fatos, músicas e tudo mais como pedaços de um mosaico em constante atualização. Todo mundo tem o seu, com pitadas mais coloridas ou não, com muita ou pouca música, com relações doentias ou alegres, doentiamente alegres, quem sabe; com profundidade tocante, superficialidade ofuscante e todas essas antíteses-não-tão-distantes-assim que não quero continuar a enumerar. Enfim, mosaicos diferentes pra pessoas diferentes, nada de novo até então. Todavia, uma coisa que nunca tinha notado até essa manhã de sábado (ao menos não tão claramente) é que esse mesmo mosaico também é composto de espaços vazios. Na maioria das vezes (arrisco a pensar que talvez em todas) tais vazios surgiram de pedaços arrancados. Das mais variadas formas pode se dar a retirada dos pedaços, seja ela por meio das clássicas proibições às sutis chantagens emocionais que levam você mesmo a se privar do que gosta, do que você é. Talvez retirados às dentadas brutas ou com a precisão cirúrgica que só anos de prática podem dar. Das retiradas conscientes e inconscientes daqueles a quem você mostra os pontos macios do teu mosaico, conscientemente ou inconscientemente. Claro que o que acrescenta (os tais livros, fatos, músicas...) acaba se interpolando nesses espaços, que não foram originariamente planejados pra isso. É dessa forma que aquelas várias tiradas geniais, as correlações bizarramente agradáveis ou surpreendentemente tocantes surgem. Do que escorre, para o que falta. Outra variável aparece então, a capacidade das coisas que você construiu até então de ocupar tais espaços, e criar híbridos de monstros e fadas, nem sempre bonitos mas interessantes toda vez. Obviamente essa "elasticidade" não é algo que você planeja (pelo menos não na maioria das vezes), afinal ninguém pensa ao ler um livro "ah, isso pode me ajudar a compensar em certo grau toda aquela merda na minha família", mas quando você se pega emocionado com algum personagem, ou talvez (por que não?) aprendendo com a situação posta no livro (música, relação, etc) , taí um curativo pro vazio sangrante do teu mosaico. Não, nunca vai compensar. Às vezes quase não se vê as cicatrizes, outras fica evidente o tamanho do rombo feito, mas ainda assim nunca se compensa. Vivemos assim, crescemos assim, aprendendo a se virar entre buracos e todo o resto.



"And I wish there was a way for me to go inside so I could see
All the faces of the people who have torn a piece of me
As I grew from a seed to a tree..."
Seed to a tree - Blind Melon

sábado, 20 de outubro de 2007

Eu e o Zeca

Há muitos e muitos anos, nos tempos da minha pré-adolescência tão cheia de Nirvana, Guns n' Roses, Black Sabbath e afins, conheci o Zeca baleiro. Mais especificamente, conheci a música Heavy Metal do Senhor, em um livro didático de língua portuguesa. Tinha uma estátua de anjo colorida bizarramente ao lado da letra da música. Escutei a música não sei quanto tempo depois,(num cd de uma tia) e gostei bastante. Porém, me recusei a curtir o resto do cd, tão cheio de ritmos proibidos a qualquer pré-adolescente angustiado. Fui tornar a escutar algo dele apenas no segundo ano do colegial, por meio de uma amiga, tão radiante quanto as músicas que em breve me conquistariam tanto. Era (mais) uma fase conturbada na minha vida, e as músicas do cara fizeram o prodígio de conseguir me deixar contemplativa no meio de um monte de merda sendo jogada no ventilador. Notar a poesia nos sons mais populares, ver a língua portuguesa sendo usada com maestria, seja pelas metáforas fodas ou pelo delicioso som dos nossos fonemas brasileiríssimos foi estonteante. E as músicas dele têm me acompanhado nos momentos em que consigo por alguns instantes colocar todo o peso do mundo entre parênteses e me permitir alguns suspiros de vez em quando. Nem sempre elas falam de coisas bonitas e agradáveis, claro. Mas tudo fica bem, bem mais leve. Aos poucos fui conseguindo notar cada particularidade álbum por álbum, da beleza em tons pastéis do Líricas ao chutar de balde do Pet shop Mundo Cão. Sempre me surpreendendo, o querido Zeca. Fui a um show dele em 2006, e ele não só faz coisas belas como é uma pessoa super amável.
Baixei o cd mais recente dele hoje (Lado Z ), e nem pensava que eu iria acabar escrevendo uma resenha sobre ele. Nem sei se pode ser considerada resenha, na verdade. Mas que seja. O cd começa com músicas que vou demorar a gostar, tem várias participações e confesso que achei as letras mais pobres do que o Zeca é capaz de fazer. Vou pesquisar se são dele mesmo mais tarde. Provavelmente a minha história com esse álbum será parecida com a do Vô Imbolá, que escuto raramente e -medo- fico toda dançante. E entre essas músicas dançantes e as tristes que vou ter que escutar com mais cuidado surgiu, pra mim, a pérola do cd. "Roda morta" é o nome da faixa, provavelmente uma homenagem à "Roda Viva" do aclamado Chico Buarque. Nessa música eu vi o Zeca que eu conheço... metáforas fortes, inesperadas, viscerais da forma que eu mais adoro ever.
Depois tem uma faixa com uma mulher, Vanessa alguma coisa. É engraçado que a melodia dessa música é meio brega (o estilo musical mesmo), mas a temática difere do que conheço do estilo.Me lembrou a música 'Olhos nos Olhos" do aclamado Chico Buarque, pelo tom pé-na-bunda-mas-ainda-gosto-de-você que ela tem; Sempre gosto dessas. O cd fecha com uma música engraçada e divertida, chamada "O coro das velhas". Adorável. O cd não está nos melhores pra mim, mas essas faixas que citei entram no ranking fácil fácil. Coloco a letra da Roda Morta aqui, pra quem quiser dar uma olhada.


"O triste nisso tudo é tudo isso
Quer dizer, tirando nada, só me resta o compromisso
Com os dentes cariados da alegria
Com o desgosto e a agonia da manada dos normais.

O triste em tudo isso é isso tudo
A sordidez do conteúdo desses dias maquinais
E as máquinas cavando um poço fundo entre os braçais,
eu mesmo e o mundo dos salões coloniais.

Colônias de abutres colunáveis
Gaviões bem sociáveis vomitando entre os cristais
E as cristas desses galos de brinquedo
Cuja covardia e medo dão ao sol um tom lilás.

Eu vejo um mofo verde no meu fraque
E as moscas mortas no conhaque que eu herdei dos ancestrais
E as hordas de demônios quando eu durmo
Infestando o horror noturno dos meu sonhos infernais.

Eu sei que quando acordo eu visto a cara falsa e infame
como a tara do mais vil dentre os mortais
E morro quando adentro o gabinete
Onde o sócio o e o alcaguete não me deixam nunca em paz

O triste em tudo isso é que eu sei disso
Eu vivo disso e além disso
Eu quero sempre mais e mais.
mais e mais"



Roda Morta - Zeca Baleiro

sábado, 13 de outubro de 2007

Here we go again

Quando me mudei pra cá, eu imaginava coisas diferentes. Não que as coisas fossem mudar subitamente, ou ficar mais fáceis. Mas eu imaginava que pela mudança absurda de ambiente e convívio uma certa facilidade em colocar as coisas em perspectiva , os problemas e os fantasmas um pouco de lado. E, por um tempo, isso foi verdade. Durante alguns meses as novidades eram tantas que eu teoricamente teria toda a base para rever tudo isso. Obviamente, não o fiz. E, enquanto tudo o que eu construía por aqui parecia sem nenhuma rachadura, tudo o que fiz foi olhar fascinada pro sol. Agora, quando as coisas começam a rachar, os defeitos novamente dizem olá e os fantasmas voltaram das férias, percebo que as coisas são bem pouco diferentes. Afinal, muda-se de cidade, de apartamento, de amigos, mas os olhos continuam os mesmos. Os velhos e quebrados olhos, agora com retinas queimadas.
E, paradoxalmente, é nesse reencontro indesejável que começo a reavaliar tudo, e contemplo direito os meus "novos" edifícios cheios de rachaduras. E a beleza deles, em cada pedaço que expõe a fragilidade escondida, é estonteante. O lixo nas ruas de Florianópolis, os problemas na faculdade, os medos e fantasmas de quem admiro, tudo isso os traz para perto de mim de uma forma tão intensa que eu volta e meia insisto em esquecer. E eu sinto finalmente que posso começar a amar isso aqui, de uma forma menos contemplativa e muito mais verdadeira...