sábado, 16 de agosto de 2008

Sangria

Toda vez que eu penso que não dá mais, que a fonte secou, eu sangro. É um expurgo, um lento escorrer, uma aplicação de sanguessugas digna das épocas mais medievais. Toda vez que vislumbro um abismo eterno sem letras, sem a boa, velha e batida combinação de sangue, suor e lágrimas, e toda vez que encaro o desespero por simplesmente ter murchado elas vêm. Vêm arcaicas, ainda com acentos, brincando, pulando , rolando agressivas e belas como uma trupe de ciganos bêbados. E tudo o que eu posso fazer é sorrir amargurada e começar a digitar, em arroubos agitados, dedos correndo mais rápido ou mais devagar de acordo com a respiração irregular, como quem sufoca os pulmões com ar, como quem soluça. Hiperventilando, o cérebro lentamente se entorpece do que tenho todos os dias, mas que não me afeta mais, ou comove. Do que está lá, a espreita, como a brisa, como os olhares, ou como as ausências. E que volta e meia ressurge, etéreo como uma matilha de cristos no meio de toda essa penumbra, de todo esse nada. Durou uma música.