quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Exercício de observação #5

Às festas da Psicologia.

Mais uma festa, mais cerveja, aquela sensação pegajosa (muco doce bem no fundo da garganta), pregando tudo na laringe, confundindo as pregas vocais e embaçando convenientemente a vontade proibida de falar, calando assim o desejo irrefreado por gemidos, gritos, mordidas.
Engole novamente, enquanto olha de relance para as costas dele, soberbas, enfrentando toda a hipocrisia do mundo bem na ponta dos ombros retos.
Embalada pelo inconfundível escândalo etílico de um monte de gente junta, se deixa levar pela contemplação ávida em cima de uma pessoa só. Queria não estar tão consciente disso tudo, dos olhares rápidos, sedentos por algum tipo de contato mas incapazes de se manter fixos por mais de alguns minutos em outro olhar. Mas está. Por isso talvez encarasse justo as costas, evitando o que também não conseguia suportar. O outro encaixava-se assim perfeitamente na situação: sem olhos, sem sorriso, só as costas infinitas. Talvez algum pescoço, um cabelo bagunçado roçando na nuca, nada mais.
Na postura corporal do menino-homem esculpia muitas vontades proibidas. Os braços, então, sobem automáticos: a lata à boca, as unhas à boca, o cigarro à boca, numa compulsão oral inconfundível, enquanto confunde, entretanto, sua existência com a desse outro tão fresco e cheio de possibilidades. Enquanto morde a boca de sua lata imaginando outra, a madrugada avança, solta, irreverente, permeada de risadas e flashes. Mas as costas se mantém impassíveis. Por que ele não se move como todo o resto, inferno? O que prega seus pés ao chão, sustentando a lombar enquanto no cérebro todo aquele álcool grita por algum tipo de movimentação? Também estava fixa, esforçando-se ao máximo para esquecer o próprio corpo, a odiosa presença dela pra ela mesma, mergulhando no doce-amargo das fantasias com aquelas costas. Por trás da lata, da moldura dos óculos, por trás das defesas em rímel e lápis de olho, anseia por aquela representação tola do que na verdade é etéreo e infértil. Espera numa fé infantil a exumação momentânea de seus fantasmas, imaginando na ponta dos dedos frios a deliciosa pele libertadora por baixo da blusa verde dele.
Algumas pessoas passam por ela, choques rápidos e o movimento repetitivo de desvio, teimoso, duro, fazendo questão de se manter na mesma faixa maldita de chão que sustenta aquelas costas largas.
Não sabe quanto tempo irá aguentar essa dança congelada, quando a cerveja falará mais alto e a moverá, passo a passo, em direção àquela parte específica do chão. E num olhar dirá tudo, apesar das palavras que possam se intrometer. Olhará por alguns segundos, aspirando forte o possível cheiro de testosterona, lamberá o resto de cerveja dos lábios, e numa calma absurda estampará sua angústia bem no ponto central entre um omoplata e outro. Pedirá desculpa em seguida, voltando pouco depois pra casa com um sorriso masoquista pleno de impossibilidade e segurança. Deixará na blusa verde o queimado do cigarro, a marca da cerveja derramada e uma ligeira lembrança do toque que preparou só pra ele durante todo esse tempo.

"Help me I broke apart my insides, help me I’ve got no soul to sell
Help me the only thing that works for me, help me get away from myself
I want to fuck you like an animal
I want to feel you from the inside
I want to fuck you like an animal
My whole existence is flawed
You get me closer to god
You can have my isolation, you can have the hate that it brings
You can have my absence of faith, you can have my everything
Help me tear down my reason, help me its' your sex I can smell
Help me you make me perfect, help me become somebody else
I want to fuck you like an animal
I want to feel you from the inside
I want to fuck you like an animal
My whole existence is flawed
You get me closer to god"

Closer - Nine Inch Nails