sexta-feira, 24 de junho de 2011

Ventriloquismo

Nós reclamaremos do governo, das pessoas, da arte, da mídia, uns dos outros, de nossos pais e professores. A existência será destrinchada impiedosamente, com direito a citações, milhões de aspas saltitantes a cada duas frases. A acidez, sedutora. Os porres, belos.

Disputaremos implicitamente quem tem os maiores fantasmas, a dor mais cortante, o desgosto e o nojo mais destilados. E no fim de nossos tão fundos poços, aqueles mesmos preconceitos.Espelhos quebrados e retorcidos, refletindo impiedosamente nossos próprios rostos. Tangenciais, mostraremos nossos fantasmas nas críticas repetidas, nas piadas gastas, nas risadas nervosas. Os preservaremos numa saliva grossa, raivosa e acadêmica.

Por alguns segundos a mais que o normal, entretanto, abraçaremos uns aos outros, inspirando forte o pequeno tempo entre os braços, o breve silêncio entre as gargalhadas. Embaixo do mesmo tapete, tatearemos sem querer as mesmas inseguranças. E elas serão bregas, (ou kitsch),patéticas, infantis.

Bem racionais, trataremos essas antigas feridas com poeira. Esfregaremos a carne frágil todo dia, olhando amedrontados para os lados, enquanto engolimos a dor. Jogaremos sal nas feridas, cutucando com as unhas qualquer casca. Na busca infinita pelo calo inexistente dos que parecem controlar gozo letra e lágrima, continuaremos nos expondo, alimentando úlcera e deserto.