quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

A morte da velha dos gatos



Quando ela morreu os gatos circundaram o corpo, miando. Brincaram com os dedos inertes, puxando o prendedor de cabelo até soltar a juba de sua Dona. Depois de um tempo os quatro deitaram em seu peito e barriga e ali permaneceram durante um tempo, emprestando a ela um pouco de seu calor.  Depois disso, ficaram com fome, e miaram mais alto enquanto davam pequenas e amigáveis patadas em seu nariz, como faziam todos os dias pela manhã. Não obtendo resposta, procuraram pequenos insetos pela casa, e beberam bastante água.
Quando a água acabou, agitados e famintos, os gatos brigaram entre si. Os miados foram ficando mais grossos e graves, assemelhando-se ao barulho que gatas selvagens e abandonadas fazem quando no cio procuram companhia pelas ruas. Com sua selvageria lentamente acordada, os animais começaram a procurar um ponto de fuga. O apartamento era todo telado, e a única janela sem tela dava para o fosso de ventilação do prédio.Contemplando o vazio e a queda que levaria à certeira morte, os gatos miaram esganiçadamente durante horas. Sem nenhum pudor os animais anunciaram para todo o condomínio que algo sério havia acontecido. Isso chamou a atenção dos vizinhos, e em menos de 30h o corpo foi descoberto, velado e enterrado. Tirando a causa de sua morte, o cadáver dela estava intacto, ainda cheirando ao óleo perfumado que ela utilizara no banho pouco antes de morrer. Há quem diga que sua alma, preocupada com suas crias, rondou o cadáver até ter certeza de que cada uma teria novamente o que comer.
A primeira coisa que o policial que descobriu o corpo fez foi encher os potes de água, abrir o armário, pegar a ração e alimentar os bichanos. Ele também cuidava de três em sua casa, e acariciou levemente suas orelhas, os fazendo ronronar. Ouvindo o som macio e confortável, o que ainda restava dela neste plano sorriu, e a alma dela pôde ir descansar em paz.

Trate bem seus gatos, eles só comerão seu rosto quando você morrer caso não exista outra opção.