quarta-feira, 12 de março de 2008

Água?

Chove, após o inferno. A água acumulada nos meus pulmões finalmente se transformou nesses cáusticos pingos sobre minha cabeça, e hoje o dia é muito mais cinza. Chove, nada é limpo, tudo apenas se derrete num amálgama explicitamente azedo, cor de bile. Lentamente as angústias acumuladas se transformam em matéria líquida, pronta a esterelizar a terra negra que quase grita aos primeiros pingos. É um final de dia mentiroso, daqueles em que a realidade não parece aguentar mais existir. Nele afogo sem piedade.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Projeto Leitura de Férias – "O General em seu Labirinto" – Gabriel García Márquez

Último do projeto de leitura de férias, O General em seu Labirinto é um livro ligeiramente fantasioso mas altamente baseado numa pesquisa bem coerente que o autor fez sobre os últimos dias de Simon Bolívar. Eu gostei bastante pelo teor da informação, já que eu (oh, a vergonha) sei bem pouco (pra não dizer quase nada) sobre a história da América Latina. Ter novos tipos de informação que deveriam ser básicos pra mim passados pelo senhor Marquéz foi uma experiência bem agradável, já que dentre várias descrições das viagens e trâmites políticos que se passavam enquanto Simon Bolívar dava seus últimos passos pela terra Gabriel às vezes coloca o toque sutil dele, contando 'causos' da vida do general ou características da cidade em que ele se encontra com a forma única de descrição que lhe é característica. É engraçado, ao ler esse livro não pude deixar de comparar o personagem principal a um outro general, o do "Outono do Patriarca". Eles são absurdamente diferentes um do outro, mas com peculiaridades bem parecidas. Pena que não terminei de ler esse segundo livro pra poder desenvolver mais essa idéia; acho que daria pra fazer parâmetros bem legais. Bah, tentarei fazer assim mesmo e arriscar a crucificação pelas moscas que frequentam meu blog: no "General em Seu Labirinto" o autor usa o tipo de narração parecido com o "Notícia de um Sequestro", bem factual e conciso, com umas pinceladas coloridas aqui e ali. Acho que isso se deve ao fato de ambos serem baseados em fatos reais, e o autor ter um lado jornalista bem apurado. Já no "Outono do Patriarca", cujo tema é bem parecido com o "General em seu Labirinto" ele muda completamente o tipo de narrativa, fazendo períodos infinitos e uma sucessão de metáforas que chegam a deixar quem lê tonto (ao menos foi o meu caso). Queria saber as motivações que o levaram a mudar tanto a narrativa de um livro pro outro...Mas bem, deixando de teorias e análises absurdas sobre a forma de escrever do autor e voltando ao que interessa: o personagem principal é bem desenvolvido -como sempre-, a história fica meio confusa às vezes porque não é completamente linear, mas isso não é um fator negativo, já que deixa a leitura mais interessante. Gostei bastante de ver o esforço do autor a se manter fiel aos registros da vida do Bolívar, se baseando em suas muitas mil cartas e estudos acadêmicos sobre o homem, não se limitando aos fatos e cidades em que esteve mas também nas suas manias e caprichos, como a sua forma de falar e se portar. Fazer tudo isso com base histórica deve ter dado um puta trabalho...Também a idéia de retratar um lado não muito visto do personagem principal, como seus últimos dias, vividos no esquecimento, pobreza e doença, não os dias de glória ou à sua futura fama pós-morte, foi um aspecto muito legal e bem típico do Gabriel García Márquez. Obviamente recomendo a leitura, mas quando se trata do Gabriel eu sou suspeita pra falar...