sábado, 16 de agosto de 2008

Sangria

Toda vez que eu penso que não dá mais, que a fonte secou, eu sangro. É um expurgo, um lento escorrer, uma aplicação de sanguessugas digna das épocas mais medievais. Toda vez que vislumbro um abismo eterno sem letras, sem a boa, velha e batida combinação de sangue, suor e lágrimas, e toda vez que encaro o desespero por simplesmente ter murchado elas vêm. Vêm arcaicas, ainda com acentos, brincando, pulando , rolando agressivas e belas como uma trupe de ciganos bêbados. E tudo o que eu posso fazer é sorrir amargurada e começar a digitar, em arroubos agitados, dedos correndo mais rápido ou mais devagar de acordo com a respiração irregular, como quem sufoca os pulmões com ar, como quem soluça. Hiperventilando, o cérebro lentamente se entorpece do que tenho todos os dias, mas que não me afeta mais, ou comove. Do que está lá, a espreita, como a brisa, como os olhares, ou como as ausências. E que volta e meia ressurge, etéreo como uma matilha de cristos no meio de toda essa penumbra, de todo esse nada. Durou uma música.

2 comentários:

Anônimo disse...

O que nos faz qustionar a suposta ordem "natural", linear de alguns fatos. É idéia tão assentada em nosso senso prático e comum das coisas - quase uma intuição - de que o murchar caracteriza o fim, a lenta decadência de algo que um dia floresceu, que parece óbvio que qualquer exceção a isso seja impossível. E no entanto quantas vezes não invertemos essa equação, precisando murchar primeiro para que brote nesse peito cadáver uma flor.
Li o que ainda não tinha lido no seu blog. Fiquei muito impressionado: acho que tinha esquecido o quanto você escreve bem, mas também percebi um grande refinamento da sua frase. Cada vez metáforas e arranjos mais burilados, mais desafiadores. Admito que não entendi muito bem um texto, o que você diz ter escrito em 9 minutos no "sick". De qualquer forma adorei imaginar você desfrutando um spleen em Floripa, com um papel e uma caneta na mão, destilando a bile amarga do ser entre uma massa anônima de alternativos (note o paradoxo que interessante) ostensivos.
Enfim, discutamos melhor depois. Por agora, basta dizer (e voltando a este texto) que adorei a "matilha de cristos", que eu figurei (espero não estar errado) como um bando de salvadores famintos, os messias carnívoros - tão necessários às nossas almas cheias de pecados e exigências, mas vazias de todo o resto - que nos deixam a carne em pedaços. E se só dura uma música, acho que algumas imagens como "foste eterna até ao fim" e "que seja eterno enquanto dure", ainda que tiradas dos respectivos contextos em que foram concebidas pelas mãos que as escreveram, podem ser muito elucidativas.
Te amo muito querida, continue produzindo x@

Anônimo disse...

Opa, uma pequena errata: é "que seja infinito enquanto dure". Posto que é chama, e portanto mortal.