sexta-feira, 26 de junho de 2009

Exercício de Observação #3

A mais bonita que já vi. Séria,macia, redonda e tão efêmera nesse mundo injusto. Ela, que ressignificou o ônibus, o cigarro do pedestre no frio, as maledicências da mãe que batia em sua criança pela calçada, o roçar leve dos cabelos em outra qualquer: não eram os seus, trançados apressadamente no frio da manhã; Os seus recuavam frente a ela, tão tímidos quanto meus olhos espiando pelo reflexo da janela. O mundo ao meu redor moldou-se ao redor desse novo referencial, despertando em banalidades tentações. Quis lamber as pichações dos muros sujos, beber água do mar impróprio para banho, arrancar com os dentes pedaços gordos das poltronas enquanto ria de volta para os paralelepípedos, sorrisos eternos das ruas. Roí loucamente minhas unhas, olhando seus dedos finos, sem coragem para encará-la por mais de dois segundos.
Mais uma parada eu voaria em você, devorando essas carnes num frenesi passional. Mais uma parada comporia a guinada brusca dos fatos, e eu teria acontecimentos menos desnecessários para adicionar aqui além do riso do guarda na escola municipal dobrando tranquilo a bandeira flácida do Brasil, além dos "eu te amos" escritos em caligrafias distintas com setas vetorialmente opostas à nossa frente. Mais duas paradas e esse texto teria menos frustração libidinosa do que acho plausível expor. Apenas mais algum tempo e sua licença sorridente ao me dar passagem seria um olhar de terror ao sentir minha saliva. Alguns momentos a mais e seus olhos cansados poderiam chegar à altura de sua boca, a mais bonita que já vi.

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