segunda-feira, 4 de abril de 2011

Do cigarro

Fumo porque na minha barriga tem uma brasa.
Queima e fura minhas tripas, chega bem perto do meu coração.
Quase acende o pavio e liberta paixões,
monstros
ciganos.

Por baixo da minha blusa tem uma brasa,
passeando pela pele pálida,
queimando pelos caminhos.

No meu hálito tem fuligem,
cada inspiração atiça mais o pequeno sol:
espia pelo meu umbigo a umidade podre do mundo.
Esconde-se então, bem lá no estômago seco,
E tenta digerir sozinho os estoques de mágoa.

Fumo pra minha brasa fingir que sai
Tento colocar sujeira no ar,
mas ele continua
puro
leve
distante.

Tudo que resta é a vontade de apagar a guimba no braço macio.

2 comentários:

Ennila disse...

é um vulcão!

Por que cigano?

Tiago A. disse...

Às vezes me incomoda limitar minha fala sobre um texto a "gostei, não gostei". Mas no fundo - já que um poema é sempre a gota que sobra no fundo do copo; já que é impossível contabilizá-la em termos puramente digestivos - no fundo não é esse gozo que tentamos tornar de alguma forma mais palatável no nosso discurso crítico? Ou, ainda, estender?
Independente disso, gostei bastante do seu poema, com exceção da primeira estrofe. Tive a sensação de que ela está carregada demais de lugares comuns. As outras, por outro lado, não. Gostei da aliteração, e adorei a ambiguidade de "pelos". Gostei das metáforas "pequeno sol" e, principalmente, "umbigo" (para a boca). Gostei da saída do eu-lírico num mundo que o oprime: poluir o ar para aproximá-lo, para poder tocar algo. Aliás, o próprio ato de fumar é algo que me fascina bastante, imagino que a você também.
Bom, terminei meu discurso crítico e não sei o que dizer. Continue escrevendo. O texto está ótimo, mas melhor que isso seria ver o que aconteceria se você aprimorasse algumas qualidades que já ensaiou aqui.