sábado, 20 de outubro de 2007

Eu e o Zeca

Há muitos e muitos anos, nos tempos da minha pré-adolescência tão cheia de Nirvana, Guns n' Roses, Black Sabbath e afins, conheci o Zeca baleiro. Mais especificamente, conheci a música Heavy Metal do Senhor, em um livro didático de língua portuguesa. Tinha uma estátua de anjo colorida bizarramente ao lado da letra da música. Escutei a música não sei quanto tempo depois,(num cd de uma tia) e gostei bastante. Porém, me recusei a curtir o resto do cd, tão cheio de ritmos proibidos a qualquer pré-adolescente angustiado. Fui tornar a escutar algo dele apenas no segundo ano do colegial, por meio de uma amiga, tão radiante quanto as músicas que em breve me conquistariam tanto. Era (mais) uma fase conturbada na minha vida, e as músicas do cara fizeram o prodígio de conseguir me deixar contemplativa no meio de um monte de merda sendo jogada no ventilador. Notar a poesia nos sons mais populares, ver a língua portuguesa sendo usada com maestria, seja pelas metáforas fodas ou pelo delicioso som dos nossos fonemas brasileiríssimos foi estonteante. E as músicas dele têm me acompanhado nos momentos em que consigo por alguns instantes colocar todo o peso do mundo entre parênteses e me permitir alguns suspiros de vez em quando. Nem sempre elas falam de coisas bonitas e agradáveis, claro. Mas tudo fica bem, bem mais leve. Aos poucos fui conseguindo notar cada particularidade álbum por álbum, da beleza em tons pastéis do Líricas ao chutar de balde do Pet shop Mundo Cão. Sempre me surpreendendo, o querido Zeca. Fui a um show dele em 2006, e ele não só faz coisas belas como é uma pessoa super amável.
Baixei o cd mais recente dele hoje (Lado Z ), e nem pensava que eu iria acabar escrevendo uma resenha sobre ele. Nem sei se pode ser considerada resenha, na verdade. Mas que seja. O cd começa com músicas que vou demorar a gostar, tem várias participações e confesso que achei as letras mais pobres do que o Zeca é capaz de fazer. Vou pesquisar se são dele mesmo mais tarde. Provavelmente a minha história com esse álbum será parecida com a do Vô Imbolá, que escuto raramente e -medo- fico toda dançante. E entre essas músicas dançantes e as tristes que vou ter que escutar com mais cuidado surgiu, pra mim, a pérola do cd. "Roda morta" é o nome da faixa, provavelmente uma homenagem à "Roda Viva" do aclamado Chico Buarque. Nessa música eu vi o Zeca que eu conheço... metáforas fortes, inesperadas, viscerais da forma que eu mais adoro ever.
Depois tem uma faixa com uma mulher, Vanessa alguma coisa. É engraçado que a melodia dessa música é meio brega (o estilo musical mesmo), mas a temática difere do que conheço do estilo.Me lembrou a música 'Olhos nos Olhos" do aclamado Chico Buarque, pelo tom pé-na-bunda-mas-ainda-gosto-de-você que ela tem; Sempre gosto dessas. O cd fecha com uma música engraçada e divertida, chamada "O coro das velhas". Adorável. O cd não está nos melhores pra mim, mas essas faixas que citei entram no ranking fácil fácil. Coloco a letra da Roda Morta aqui, pra quem quiser dar uma olhada.


"O triste nisso tudo é tudo isso
Quer dizer, tirando nada, só me resta o compromisso
Com os dentes cariados da alegria
Com o desgosto e a agonia da manada dos normais.

O triste em tudo isso é isso tudo
A sordidez do conteúdo desses dias maquinais
E as máquinas cavando um poço fundo entre os braçais,
eu mesmo e o mundo dos salões coloniais.

Colônias de abutres colunáveis
Gaviões bem sociáveis vomitando entre os cristais
E as cristas desses galos de brinquedo
Cuja covardia e medo dão ao sol um tom lilás.

Eu vejo um mofo verde no meu fraque
E as moscas mortas no conhaque que eu herdei dos ancestrais
E as hordas de demônios quando eu durmo
Infestando o horror noturno dos meu sonhos infernais.

Eu sei que quando acordo eu visto a cara falsa e infame
como a tara do mais vil dentre os mortais
E morro quando adentro o gabinete
Onde o sócio o e o alcaguete não me deixam nunca em paz

O triste em tudo isso é que eu sei disso
Eu vivo disso e além disso
Eu quero sempre mais e mais.
mais e mais"



Roda Morta - Zeca Baleiro

3 comentários:

BooBoo Maria Gabriela disse...

Hahahahaha... "proibido".. papo de metaleirinho chato.

eu ando ouvindo milonga campeira gauchesca sim senhor... e me emocionando.

mas tu nao tem envergadura moral pra me dar um soco neste caso, ouves zeca baleiro!

à parte, o cara mais underground que eu conheço continua sendo o capirootz.

Marcus disse...

nunca escutei nada desse cara o_o

Glauco Gomes disse...

Oi Raquel. Parabéns pelo seu blog... massa! Essa canção, Roda Morta, é uma composição de Sérgio Sampaio e Sérgio Natureza. Recomendo muito que conheça o Sérgio Sampaio, falecido em 1994, um maldito da música brasileira. Ele é uma referência muito forte para o Zeca, o que leva a pensar que a canção é do próprio Zeca. A canção "Tem que acontecer", gravada também pelo Zeca, é uma composição do Sérgio Sampaio também. Fica minha dica e uma saudação!